sexta-feira, abril 30, 2004

A perfeição é a morte.

Essa frase eu escutei ontem. Ela me incomodou pra caramba, num nível fora da consciência, até que em mais uma noite de insônia, it hit me. Isso entra um pouco na discussão do Milan Kundera no segundo capítulo de A Insustentável Leveza do Ser, no qual o autor aponta a dualidade descrita por Parmênides, a idéia de que tudo se divide em dois pólos. Aceitando apenas dois pólos como uma possibilidade remota, sigo. De um lado, diz o grego (perdão, helênico), estão o claro, o quente, o fino, o ser. De outro, estão o escuro, o frio, o grosso, o não-ser. E ele se indaga de que lado ficam a leveza e o peso. Pois bem, de que lado fica a perfeição?
Tem-se o impulso de colocar a perfeição do lado das coisas positivas (o claro, o quente, etc.). Mas será? O que buscar quando se é perfeito? O que resta fazer? Se somos cheios de completude, nada nos resta. A morte nos resta. Se somos cheios de falta, sobram motivos pra seguir. O não-ser é que nos permite ser. A falta de falta não deixa espaço ao ser. De todas as vezes que me imaginei completa, uma angústia absurda sobreveio. Faltava falta! Faltava aquele espaço em mim que me fazia ter o que os americanos chamariam de "drive". Prefiro chamar "lust for life". Se não há mais nada a fazer, desinveste-se. Deu. Tá pronto. Pendura na parede. "Imortaliza". Imortaliza o quê? O que já morreu. A perfeição é a morte.

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