sexta-feira, maio 21, 2004

7.

Ele trazia uma lanterna no bolso direito da calça. Apontou-a para o coraçãozinho perdido embaixo da cômoda e o viu reluzir. Pegou uma haste do seu guarda-chuva preto molhado e fez um gancho. Cutucou o vazio escuro debaixo do móvel, até enganchar a correntinha dourada na ponta dobrada da haste de metal. Tirou o coraçãozinho de lá das brumas. Estava aberto: ao cair, o fecho deveria ter cedido. Ele notou que não havia nada dentro. O espaço que o joalheiro reservara para, quem sabe, uma foto ou uma gravação de iniciais, estava vazio. Ele resgatara um coração vazio das brumas. Tão vazio, que parecia não ter vivido. Parecia não ter dono. Ele trazia uma fita no bolso esquerdo da calça. Amarrou o coraçãozinho ao pescoço dela. Ela voltou a exibi-lo no peito. Eles andaram juntos debaixo da sombrinha molenga. Poc poc poc. Em uníssono.

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